As comparações com a Bahia após a intervenção militar na segurança pública no Rio de Janeiro são descartadas pelo secretário de Segurança Pública do Estado (SSP-BA), Maurício Barbosa. De acordo com o titular da pasta, a dinâmica de funcionamento das facções criminosas é diferente entre os dois estados. “O que é que nós queremos do governo federal: que consiga evitar que essa quantidade de droga e armas cheguem às nossas facções. O mapa do tráfico do Brasil está muito bem delineado. Se diz: ‘Ah, as facções criminosas vão sair do Rio de Janeiro por conta do Exército’. Mentira absurda e deslavada de gente que não sabe do que está falando. No Brasil nós temos duas grandes
especialidades: futebol e segurança pública. Todo mundo sabe um pouco de futebol e de segurança, todo mundo é especialista, todo mundo é entendedor”, critica Barbosa em entrevista ao Bahia Notícias, afastando a ideia de uma migração do crime para a Bahia. Entre os dois estados, uma diferença apontada pelo secretário é a fragmentação das facções baianas, sobretudo do tráfico de drogas. “Nós temos dois grandes distribuidores de droga no país, que são de criação de outros estados, que não são dos nossos. E são essas facções que distribuem drogas para todas as facções do Brasil. O problema do tráfico de drogas na Bahia é a pulverização das ditas facções. Eu não consigo mais chamar de facção, mas de quadrilhas. Exemplo: Bonde do A, Bonde do B, Bonde do C. Cada um intitula o nome que quer. Aí você vai e prende uma grande liderança; no outro dia, o substituto dele intitula a facção com um novo nome: ‘Quadrilha do fulano’”, descreve, citando as brigas do tráfico no Subúrbio de Salvador, que chegam a ser encampadas por quatro “microfacções”. As disputas decorrentes das atividades do tráfico de drogas, estima Barbosa, respondem por cerca de 70% dos homicídios registrados pela SSP – questionado sobre a solução para o problema, o secretário fez críticas à política de guerra às drogas e defende que a atuação do Estado deve acontecer “de forma sistêmica”. “Exemplo: as bases comunitárias de segurança. Eu não posso pensar em entrar em uma comunidade que hoje tem uma permanência muito grande no tráfico de drogas se eu não avançar com outras áreas.
Porque assim, me desculpa a franqueza, a sociedade quer discutir a situação das drogas no Brasil? Por que quem é que financia isso tudo? Nós estamos falando de um mercado. Criminoso, mas é um mercado”. O secretário sinalizou ser favorável à descriminalização da maconha – mas aponta que valores conservadores impedem o Brasil de tomar uma decisão.
“Fazer crítica à segurança pública todo mundo sabe. Agora cada um assumir o seu papel, aí que é muito difícil, e eu volto isso inclusive à sociedade. Venha cá, nós queremos o quê? Uma sociedade sem droga? Ótimo. E o papel do consumidor nesse aspecto? ‘O problema é do tráfico, não é de quem consome’. Eu não quero entrar nessa polêmica. Eu só acho que a gente, a sociedade brasileira, tem que discutir isso aí”, defendeu, comparando a situação do Brasil com a de países europeus. “Os Estados Unidos investem mais de R$ 1 trilhão na guerra contra as drogas e é o maior mercado consumidor de drogas no mundo. E se vê países europeus que adotaram outra visão de redução de danos. Ou seja:
o Estado fornece a droga para o viciado, o dependente químico, a partir do momento em que ele se integre ao planejamento de sair do vício. Ele sai da figura do traficante: o próprio Estado dá a droga, diante de uma série de questões que a pessoa tem que fazer para se libertar do vício. Os índices de criminalidade nesses países reduziram drasticamente”. Barbosa cita ainda os efeitos no financiamento do tráfico de drogas, caso o modelo fosse adotado. “Aqui se discute enfrentamento à criminalidade, sem se discutir as causas que levam ao fortalecimento do tráfico de drogas. Exemplo: se discutíssemos, e a população brasileira quisesse a liberação da maconha… Hoje 80% do financiamento das quadrilhas de tráfico de drogas da Bahia vem da maconha”, calcula. “Se aceitássemos, através de uma opinião da sociedade, as modificações das leis, que a maconha fosse liberada hoje, eu quebrava financeiramente hoje as quadrilhas em 80%. Não é uma coisa a ser pensada, é óbvio que é. Só que ninguém quer, o país é extremamente conservador para se discutir essas questões, mas ao mesmo tempo não quer meter a mão para resolver o problema. Essa discussão vai além da polícia. A polícia sofre as consequências da ponta. Tudo que a sociedade não quer discutir, quer marginalizar, é problema da polícia. É a nossa visão isso, tem que andar de forma conjunta”. O titular da SSP também queixou-se da participação do Município no fornecimento da estrutura necessária para a resolução dos índices de criminalidade de maneira estrutural. “Com o Município de Salvador [o diálogo] é zero. Zero. As Bases Comunitárias estão aí desde 2011, nunca recebi uma autoridade da prefeitura para dizer o que pode ser feito nas áreas de base comunitária de forma integrada”.
Segundo Barbosa, a pasta apresentou as necessidades das localidades à administração municipal. “Logo que se iniciou a gestão do prefeito ACM Neto, nós buscamos sentar com todas as autoridades da prefeitura e inclusive com um rol de ações que nós acreditamos ser de atribuição da prefeitura para que fossem adotadas de forma conjunta: iluminação pública, abertura de via, limpeza, coleta de lixo. Nunca avançou. Nunca”. Neste sentido, fez novas comparações, desta vez com países vizinhos, em referência à presença do Estado para além da polícia. “Qual foi a política de enfrentamento às drogas que deu certo no mundo? Nenhuma. A única diferença nossa com os países de Primeiro Mundo é o volume de dinheiro investido, e a seriedade na condenação de seus presos. Eu estou falando de países sul-americanos. O Brasil tem a mesma realidade do México e da Colômbia. Qual foi a diferença da Colômbia para o Brasil? Lá eles intervieram em outras áreas, não só na Segurança Pública. Você entra em uma favela de Bogotá, você vai ver saneamento básico, melhoria das condições de habitação, biblioteca”.
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