Inaugurado em outubro do ano passado, o ambulatório transexualizador do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), mais conhecido como Hospital das Clínicas, já tem quarenta pessoas inscritas que buscam por mudança de gênero.
O ambulatório é o único do estado que tem a habilitação do Ministério da Saúde para atender pelo Sistema Único de Saúde.
Até o momento, o local oferece apenas a terapia hormonal, mas os pacientes aguardam ansiosos pela autorização do Ministério da Saúde para a realização das cirurgias de redesignação sexual, previstas na Portaria nº 2.803.
A professora de dança Yohana Cerqueira, 43 anos, é uma das mulheres trans que são atendidas no ambulatório e sonham com a cirurgia.
“Eu nasci uma mulher com órgão masculino, mas meu corpo nunca foi masculino. A cirurgia é prioritária na minha vida, para eu ter uma vida mais saudável e tranquila”, destaca.
Yohana se descobriu mulher durante a infância. “Desde criança sempre me percebi como menina, mas não tínhamos informação na época. Tive uma criação muito rígida. Na adolescência, procurei um médico clínico para desabafar, pois me sentia diferente e depois de alguns exames laboratoriais, o médico me disse: ‘Seus hormônios são de uma mulher’. Ele me orientou a fazer tratamento com hormônio masculino, para engrossar voz e criar características masculinas. Foi uma agressão”, lembra.
Na adolescência, enquanto ainda precisava agir e se vestir como homem, ela chegou a se envolver com uma mulher e teve uma filha. “Me sacrifiquei bastante. Foi muito árduo ter que adotar postura de pai. Quando minha filha fez 12 anos, falei para ela: ‘Sou uma mulher igual a você’. Ela foi madura para me compreender e passou a me chamar e me apresentar como mãe. Nunca tive problemas com ela por ser uma mulher trans”, ressalta.
Foi a partir daí que Yohana passou a se assumir como mulher. Mudou a roupa, os cabelos, entrou na faculdade de dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e procurou o Serviço Médico Universitário Rubens Brasil (SMURB), já com o objetivo de conseguir a cirurgia.
“É o que eu quero, o que eu vim buscar. Já mudei meu nome e sexo no RG. Graças a Deus não tenho que passar mais por esse constrangimento. Só falta a cirurgia. Não tenho porque me arrepender. Eu sou uma mulher. Não utilizo esse órgão. Estou em busa do meu bem-estar, de me olhar no espelho e me reconhecer, me sentir bem”, garante.
A médica endocronologista, Luciana Oliveira, coordenadora do ambulatório transexualizador do Hupes, explica que para conseguir a autorização para a cirurgia o hospital precisa atender alguns pré-requisitos do Ministério da Saúde.
“Existem algumas pendências e o hospital não tem recurso, mas estamos na luta”, diz, otimista.
Por enquanto, a hormonioterapia tem sido uma excelente aliada para quem deseja fazer a mudança de sexo com segurança. “Se tivesse mais vaga teria mais gente, porque as agendas estão ficando lotadas”, conta a médica.
Como funciona – O tratamento hormonal é feito com medicamentos que bloqueiam o efeito do hormônio biológico, enquanto é inserido o hormônio do gênero que a pessoa se identifica
“Do ponto de vista endocrino, é como se eu tratasse uma mulher que nasceu sem ovário ou um homem que nasceu sem testículo”, explica a médica.
“É bom lembrar que cada corpo responde um jeito e a resposta vai depender também da genética. Se na família da paciente as mulheres têm a mama grande, há chances dela crescer. Senão não precisaria existir prótese de silicone. Todas as mulheres tomariam hormônio”, observa.
O acompanhamento psicológico também é importante para que a pessoa consiga redimensionar expectativas e lidar com a frustração.
“A cirurgia envolve muito sofrimento, o pós-operatório é muito doloroso. Às vezes não fica do jeito que a pessoa imaginou. Funcionalmente não vai ser da mesma forma. Também existem algumas doenças psiquiátricas que fazem a pessoa acreditar que está no gênero errado. A avaliação psicológica serve para avaliar esses casos. Por isso a portaria do Ministério da Saúde determina que seja feito, no mínimo, dois anos de acompanhamento psicológico antes da cirurgia”, destaca.
Para marcar consulta no ambulatório transexualizador do Hupes os pacientes devem comparecer na portaria do ambulatório Magalhães Neto, local de marcação de consultas, de segunda sexta, das 13h às 19h, com identidade, CPF, cartão do SUS e comprovante de residência. “Não é preciso nenhum encaminhamento ou regulação. Basta se identificar como trans”, diz a médica.
Tags:
Brasil