A Cacique Cátia Tupinambá, de 49 anos, já está acostumada de olhar para os lados e perceber que está sempre na companhia de policiais militares, que fazem sua segurança. Ela sabe que, em um pequeno momento de descuido, pode sofrer retaliações por seu uma líder indígena que deseja preservar sua terra.
A luta da cacique é pela terra Tupinambá de Belmonte, que possui cerca de 10 mil hectares, onde 74 indíos sobrevivem no local. Essa é uma das 32 terras indígenas da Bahia; nenhuma regularizada, segundo levantamento da ONG Insituto SocioAmbiental (ISA)."Eu só saio do interior da aldeia escoltada pela PM", revela Cátia. Ela conta que desde 2005 os conflitos pela titularidade da terra são recorrentes na região.
Desse total, 12 foram reservadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). As outras ainda estão em processo de regularização. "Ultimamente, estamos vivendo bloqueio econômico, porque não temos conseguido escoar nossos produtos, como farinha e cacau", afirma a líder indígena.
Os comerciantes de longa data do povo Tupinambá de Belmonte acreditaram nas falácias contadas pelos fazendeiros da região, e não compram mais seus produtos."[...] Os fazendeiros disse (sic) que são produtos roubados", conta.
Atualmente, a terra Tupinambá de Belmonte, ainda em fase de identificação, está sob domínio de seu povo original. O Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região acatou o pedido dos índios, que recorreram à decisão anterior que concedia a titularidade aos fazendeiros.
Economia x preservação
O cenário retratado por Cacique Cátia não é uma novidade para Kanru Pataxó, coordenador do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba). "Primeira coisa é a situação econômica, porque a gente tem uma tensão econômica muito grande, uma disputa com latifundiário muito grande", afirmou.
Kanru explica que, a falta de uma regularização da terra indígena afeta drasticamente os índios, já que, enquanto não decide a quem pertence a titularidade, novos investimentos têm dificuldade de ser feitos. "Construir escolas, posto de saúde, fazer qualquer infraestrutura, pra poder dar condições melhores pra comunidade é impossível porque a maioria vai enfrentar embargo judicial".
A notícia de que a Funai foi transferida para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não foi bem recebida pela comunidade índigena. "O que ele [Bolsonaro] quer é abrir terra indígena pra ser explorada, o minerio ser explorado não pelos indígenas, mas pelos não indígenas", acredita Kanru.
Retrocesso
A Constituição de 1988 garante os direitos dos indígenas, incluindo a regularização das terras tradicionais dos povos, em um prazo de cinco anos. Apesar disso, em 2019, não há nenhuma terra regularizada na Bahia.
"Nesse momento agora temos interpretações sendo feitas que estão aparecendo nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e é uma interpretação que, nitidamente, busca esvaziar os direitos do índio à terra", afirmou o advogado criminalista e assessor da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Daniel Maciel Marques.
Esse entendimento, que, segundo o especialista, também aparece em um parecer da Advocacia Geral da União (AGU), em 2017. "Essa determinação diz que, segundo esse artigo, o que não foi demarcado em cinco anos, não pode ser mais demarcado", explica.
Sem resposta
Apesar da gravidade exposta pelos entrevistados, a reportagem do BNews não recebeu um posicionamento oficial dos órgãos competentes sobre demarcação de terras indígenas na Bahia.
Procurada inicialmente, a assessoria da Funai, após alguns dias sem retorno, disse que não poderia se posicionar sobre o assunto, já que, no novo governo federal, a responsabilidade para demarcação de terras indígenas pertence ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A reportagem entrou em contato com o Incra na Bahia, que enviou uma nota afirmando que não conseguia responder sobre os dados apresentados. "Até a presente data não foi publicado ato legal delegando ao Incra a função de promover a identificação e a regularização de terras indígenas", diz um trecho.
Confira abaixo a nota do Incra na íntegra:
O Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, transferiu a regularização das terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura, conforme inciso XIV e § 2º do artigo 21.
Até a presente data não foi publicado ato legal delegando ao Incra a função de promover a identificação e a regularização de terras indígenas.
O Incra não possui informações sobre processos de identificação e regularização de terras indígenas até o momento. Também não executou outras ações em áreas indígenas.
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