Era março de 2015. O Brasil tinha passado pela primeira eleição conturbada após a redemocratização. De um lado, os petistas defendiam tempo para que Dilma Rousseff iniciasse o segundo mandato e conseguisse tirar o país daquele início de crise econômica e política. Do outro, aecistas inconformados com o resultado das urnas insistiam que era injusto ter dado mais quatro anos a Dilma. Há época, poucos falavam em impeachment ou rompimento com a ordem institucional. Apenas um "movimento voluntário" que emergia ali para livrar o Brasil do fantasma da esquerda.
Corta a cena para março de 2020. O Brasil segue dividido. A diferença contumaz é que o PT já não está no poder. No entanto, segue subestimando a capacidade de mobilização dos adversários. E não apenas os petistas. Essa postura se repete entre os partidos de oposição ao governo, que têm uma dificuldade enorme de se realocarem enquanto oposição no sistema político brasileiro. Do conforto do Palácio do Planalto, um presidente da República fragilizado nas relações com outros poderes não teme o que deveria ser uma mobilização popular. Jair Bolsonaro assume o papel de protagonista para manter controle narrativo de um movimento que poderia desestabilizá-lo. O resultado: temos, mais uma vez, a convocação de uma manifestação pró-governo, algo incomum em boa parte do mundo.
Por ser algo fora da curva, essa mobilização agendada para o dia 15 tenderia a ser fraca. Naturalmente, o "povo" não tende a ir às ruas defender o status quo de quem quer que seja. Nem de si. Entretanto, os tempos são outros e a manipulação das informações acontece de maneira tão discreta - apesar de parecer explícita para os adversários - que raramente nos damos conta do realismo fantástico em que estamos inseridos. Não que a democracia não viva também de momentos de ruas lotadas em prol de uma causa. Normalmente é até assim. O que causa espanto, na verdade, é assistir a esse movimento questionar as próprias instituições democráticas que o permite existir.
Se em março de cinco anos atrás, houve a plantação de uma sementinha que veio a culminar com a saída turbulenta de Dilma Rousseff da presidência da República, parece que a planta a ter o início de cultivo agora é outra. Bolsonaro e seu entorno talvez tenham percebido isso bem. Por isso esses incentivos indiscretos para que brasileiros possam ir às ruas contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Fica bem mais fácil governar quando se subestima a ordem democrática. Algo que Dilma lá atrás não soube aproveitar a seu favor. E que trouxe o país até aqui. Os aecistas comemoram. Tal qual os bolsonaristas de agora.
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