Em nova missão, Nasa volta a estudar vida passada em Marte
por Folhapress
Foto: Reprodução / Nasa
Nesta quinta (30), a Nasa espera despachar mais uma de suas incansáveis missões marcianas. Mas esta tem sabor diferente, no estilo "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas". O rover Perseverance tem como foco o estudo das possibilidades de atividade biológica passada em Marte, enquanto pavimenta o caminho para o futuro da vida no planeta vermelho.
Começando pelo começo: a meteorologia dá boas chances (70%) de condições adequadas ao voo do foguete Atlas 5, e a janela do dia se abre às 8h50 (de Brasília), com duração de duas horas.
A partida se dá na plataforma 41 da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, Flórida (EUA), e, se bem-sucedida, dará início a uma jornada interplanetária de sete meses. E o lançamento se dá em um regime pouco festivo, em meio à pandemia do novo coronavírus.
"Infelizmente não foi possível viajar para ver", conta Ivair Gontijo, físico brasileiro do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, que participou do desenvolvimento da missão. "Somente um grupo muito pequeno que estará trabalhando no lançamento na Flórida. Então nós também vamos assistir de casa."
Caso tudo corra bem, o jipe Perseverance, voando no interior de uma cápsula, deve realizar sua tentativa de pouso no mundo vizinho em 18 de fevereiro de 2021. Até lá, não terá por que sentir solidão, sabendo que voam a seu lado, praticamente na mesma trajetória de transferência da Terra a Marte, uma espaçonave dos Emirados Árabes Unidos e outra da China.
Dos três participantes da jornada, aproveitando a janela que se abre a cada 26 meses para lançamentos até Marte (em razão do alinhamento planetário), a Nasa é a mais consistente e tradicional.
Para dar uma ideia disso, nos últimos 24 anos, a agência espacial americana só deixou de usar a janela marciana em duas ocasiões, em 2009 e em 2016. Foram ao todo 12 lançamentos para Marte no período, e apenas 2 missões perdidas (Mars Climate Orbiter e Mars Polar Lander, em 1999). Neste século, a Nasa ainda tem de saber o que significa fracasso na exploração marciana.
Isso contrasta com o esforço de chineses e árabes. Com o lançamento da Tianwen-1, a China faz sua segunda tentativa de chegar ao planeta vermelho --mas a primeira para valer. Antes disso, os chineses "cozinharam" às pressas um orbitador marciano em 2011, para voar acompanhado da sonda russa Fobos-Grunt. O foguete russo falhou, e as duas nem chegaram a deixar a órbita terrestre.
Nove anos depois, a China deixou de ser a "caroneira" dos russos e agora executa uma missão completa e ambiciosa. Usando um foguete Longa Marcha 5, com tecnologia 100% chinesa, a sonda Tianwen-1 é um projeto "três em um": voam juntos um orbitador, um módulo de pouso e um rover. E não duvide se ela se tornar o segundo país no mundo a fazer um pouso bem-sucedido em Marte.
Fora os americanos, ninguém até hoje conseguiu. A Nasa pode ter feito parecer fácil, com seus 8 pousos de sucesso desde 1976 (com apenas uma falha, a já citada de 1999). Mas nada poderia estar mais longe da verdade.
Tanto que o máximo que os soviéticos conseguiram, durante a Guerra Fria, foi pousar uma vez, em 1971, na missão Mars 3, e operar o módulo por 14,5 segundos, antes de pifar. E o outro país a bater na trave foi o Reino Unido, com a missão Beagle-2, em 2003. Imagens de satélite mostraram que o pequeno módulo até pousou direitinho, mas falhou em abrir seus painéis solares e, por isso, não conseguiu estabelecer comunicação com a Terra.
E a última falha num pouso marciano se deu há menos de quatro anos, em outubro de 2016, quando o módulo russo-europeu Schiaparelli se espatifou no solo por uma falha de software. Ou seja, não é fácil, e ninguém deve se chocar se a China falhar nesta tentativa.
Também não deve ser chocante se o Perseverance americano acabar não chegando inteiro ao solo de Marte. É bem verdade que o histórico ianque é excelente, e o mesmo método usado para colocar o novo rover no solo é o mesmo que serviu bem a seu antecessor, o jipe Curiosity, em 2012. Mas os americanos não chamam o processo de entrada atmosférica e pouso de "sete minutos de terror" à toa.
Evitando essa parte mais "zicada" das missões marcianas, os Emirados Árabes Unidos se concentraram em enviar apenas um orbitador. Batizado de Hope (ou Al Amal), ele representa a esperança do país árabe a colocar seu primeiro marco nos arredores de Marte. A missão consiste em um satélite meteorológico marciano, com três instrumentos desenvolvidos em parceria com universidades americanas. Mas as ambições declaradas do país são enormes: construir e habitar uma cidade em Marte em 2117.
Tanto a missão chinesa quanto a americana têm como objetivo declarado buscar sinais de vida marciana. Pode parecer surpreendente, mas ninguém admite de forma aberta este objetivo desde as sondas Viking, da década de 1970. Isso justamente porque aquele primeiro experimento de buscar atividade biológica produziu resultados estranhos e inconclusivos.
Desde então, a Nasa decidiu abordar o tema "pelas beiradas". Primeiro, estabelecer as condições do presente e do passado de Marte, investigando onde e quando a água --composto essencial à vida-- pode ter fluído por lá. Depois, com o jipe Curiosity, o objetivo foi detectar substâncias orgânicas --outro ingrediente requerido para a biologia. E agora o Perseverance (fazendo jus ao nome, perseverança) vai direto ao ponto, procurar sinais químicos fósseis de atividade microbiana no passado marciano.
Para isso, ele vai descer na cratera Jezero, onde sabe-se que água se acumulou no passado remoto e que possui as características geológicas ideais para a possível preservação de sinais de vida antigos.
Investigar as possibilidades de vida em Marte respondem ao chamado de uma das mais clássicas dúvidas a perseguir o ser humano: estamos sós no universo? Mas, para além disso, também aborda questões práticas. Algo na linha: o que estamos eticamente autorizados a fazer no planeta vermelho?
Começando pelo começo: a meteorologia dá boas chances (70%) de condições adequadas ao voo do foguete Atlas 5, e a janela do dia se abre às 8h50 (de Brasília), com duração de duas horas.
A partida se dá na plataforma 41 da Estação da Força Aérea em Cabo Canaveral, Flórida (EUA), e, se bem-sucedida, dará início a uma jornada interplanetária de sete meses. E o lançamento se dá em um regime pouco festivo, em meio à pandemia do novo coronavírus.
"Infelizmente não foi possível viajar para ver", conta Ivair Gontijo, físico brasileiro do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa), em Pasadena, Califórnia, que participou do desenvolvimento da missão. "Somente um grupo muito pequeno que estará trabalhando no lançamento na Flórida. Então nós também vamos assistir de casa."
Caso tudo corra bem, o jipe Perseverance, voando no interior de uma cápsula, deve realizar sua tentativa de pouso no mundo vizinho em 18 de fevereiro de 2021. Até lá, não terá por que sentir solidão, sabendo que voam a seu lado, praticamente na mesma trajetória de transferência da Terra a Marte, uma espaçonave dos Emirados Árabes Unidos e outra da China.
Dos três participantes da jornada, aproveitando a janela que se abre a cada 26 meses para lançamentos até Marte (em razão do alinhamento planetário), a Nasa é a mais consistente e tradicional.
Para dar uma ideia disso, nos últimos 24 anos, a agência espacial americana só deixou de usar a janela marciana em duas ocasiões, em 2009 e em 2016. Foram ao todo 12 lançamentos para Marte no período, e apenas 2 missões perdidas (Mars Climate Orbiter e Mars Polar Lander, em 1999). Neste século, a Nasa ainda tem de saber o que significa fracasso na exploração marciana.
Isso contrasta com o esforço de chineses e árabes. Com o lançamento da Tianwen-1, a China faz sua segunda tentativa de chegar ao planeta vermelho --mas a primeira para valer. Antes disso, os chineses "cozinharam" às pressas um orbitador marciano em 2011, para voar acompanhado da sonda russa Fobos-Grunt. O foguete russo falhou, e as duas nem chegaram a deixar a órbita terrestre.
Nove anos depois, a China deixou de ser a "caroneira" dos russos e agora executa uma missão completa e ambiciosa. Usando um foguete Longa Marcha 5, com tecnologia 100% chinesa, a sonda Tianwen-1 é um projeto "três em um": voam juntos um orbitador, um módulo de pouso e um rover. E não duvide se ela se tornar o segundo país no mundo a fazer um pouso bem-sucedido em Marte.
Fora os americanos, ninguém até hoje conseguiu. A Nasa pode ter feito parecer fácil, com seus 8 pousos de sucesso desde 1976 (com apenas uma falha, a já citada de 1999). Mas nada poderia estar mais longe da verdade.
Tanto que o máximo que os soviéticos conseguiram, durante a Guerra Fria, foi pousar uma vez, em 1971, na missão Mars 3, e operar o módulo por 14,5 segundos, antes de pifar. E o outro país a bater na trave foi o Reino Unido, com a missão Beagle-2, em 2003. Imagens de satélite mostraram que o pequeno módulo até pousou direitinho, mas falhou em abrir seus painéis solares e, por isso, não conseguiu estabelecer comunicação com a Terra.
E a última falha num pouso marciano se deu há menos de quatro anos, em outubro de 2016, quando o módulo russo-europeu Schiaparelli se espatifou no solo por uma falha de software. Ou seja, não é fácil, e ninguém deve se chocar se a China falhar nesta tentativa.
Também não deve ser chocante se o Perseverance americano acabar não chegando inteiro ao solo de Marte. É bem verdade que o histórico ianque é excelente, e o mesmo método usado para colocar o novo rover no solo é o mesmo que serviu bem a seu antecessor, o jipe Curiosity, em 2012. Mas os americanos não chamam o processo de entrada atmosférica e pouso de "sete minutos de terror" à toa.
Evitando essa parte mais "zicada" das missões marcianas, os Emirados Árabes Unidos se concentraram em enviar apenas um orbitador. Batizado de Hope (ou Al Amal), ele representa a esperança do país árabe a colocar seu primeiro marco nos arredores de Marte. A missão consiste em um satélite meteorológico marciano, com três instrumentos desenvolvidos em parceria com universidades americanas. Mas as ambições declaradas do país são enormes: construir e habitar uma cidade em Marte em 2117.
Tanto a missão chinesa quanto a americana têm como objetivo declarado buscar sinais de vida marciana. Pode parecer surpreendente, mas ninguém admite de forma aberta este objetivo desde as sondas Viking, da década de 1970. Isso justamente porque aquele primeiro experimento de buscar atividade biológica produziu resultados estranhos e inconclusivos.
Desde então, a Nasa decidiu abordar o tema "pelas beiradas". Primeiro, estabelecer as condições do presente e do passado de Marte, investigando onde e quando a água --composto essencial à vida-- pode ter fluído por lá. Depois, com o jipe Curiosity, o objetivo foi detectar substâncias orgânicas --outro ingrediente requerido para a biologia. E agora o Perseverance (fazendo jus ao nome, perseverança) vai direto ao ponto, procurar sinais químicos fósseis de atividade microbiana no passado marciano.
Para isso, ele vai descer na cratera Jezero, onde sabe-se que água se acumulou no passado remoto e que possui as características geológicas ideais para a possível preservação de sinais de vida antigos.
Investigar as possibilidades de vida em Marte respondem ao chamado de uma das mais clássicas dúvidas a perseguir o ser humano: estamos sós no universo? Mas, para além disso, também aborda questões práticas. Algo na linha: o que estamos eticamente autorizados a fazer no planeta vermelho?