Metade dos que vivem nas periferias do Brasil afirmam sentir medo ao ver a polícia. Esse número é de 23% entre as classes mais altas. A afirmação "a polícia é perigosa para pessoas como eu" ressoa em 54% dos negros, enquanto para brancos a frase só faz sentido para 17%. E apenas 5% dos brasileiros dizem acreditar que a polícia não é racista.
É o que mostra a pesquisa "Periferia, racismo e violência", do Datafavela, parceria da Cufa (Central Única das Favelas) com o Instituto Locomotiva, que ouviu 1.826 pessoas entre 29 e 30 de junho. Quase todos (91%) afirmaram ter conhecimento do caso de George Floyd, homem negro morto após ter o pescoço prensado contra o chão pelo joelho de um policial branco nos Estados Unidos. O caso gerou uma série de protestos contra o racismo, inclusive no Brasil.
O estudo também mostra que 4 em cada 10 brasileiros periféricos já foram vítimas de violência policial, seja desrespeito, agressão verbal, agressão física ou extorsão. Mas os homens negros de baixa renda continuam mais expostos às abordagens desse tipo do que os brancos de baixa renda.
Entre os negros (pardos + pretos), 56% afirmaram que já sentiram medo ao interagir com policiais em situações cotidianas. Se isolados só os pretos, esse número cresce para 67%.
Quem já passou por abuso policial passa a ter ainda mais medo das abordagens. A violência física é a que mais traumatiza: 69% passaram a ter medo de cruzar com barreiras policiais e delegaciais ou ver agentes perto de casa.
Assim como um número muito pequeno (5%) diz acreditar que a polícia não é racista, 52% veem a corporação como muito racista. Entre os negros, esse dado é ainda maior (60%).
Para a cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, os meninos negros das periferias aprendem cedo a temer abordagens injustificadas, revistas humilhantes, espancamentos e até a morte.
"Quando a polícia do Rio de Janeiro mata mais de 1.810 pessoas [em 2019] e, só durante a pandemia, em abril, mata 43% a mais em operações do que no mesmo período do ano passado, esses meninos percebem que a polícia é violenta e racista, orientada para identificá-los como criminosos", disse Ramos no debate online de apresentação da pesquisa nesta quarta-feira (8).
O rapper Rappin' Hood deu seu exemplo pessoal. "Sempre disseram que éramos marginais, maloqueiros, mas éramos apenas homens negros. Tenho um filho de 18 anos e medo de deixar meu garoto ir pra a rua. O medo que meus pais sentiam."
Para o coronel Alvaro Batista Camilo, secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo, o resultado do estudo tem influência do momento de comoção mundial com a morte de Floyd. Segundo Camilo, a PM paulista não compactua com atitudes racistas.
"Nós nos preocupamos muito com os direitos humanos, em tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Procuramos transmitir isso ao policial e temos procedimentos de gestão para rever as ações", afirmou Camilo, para quem os casos de violência por parte da corporação no estado são pontuais.
"São 112 mil policiais, 80 mil abordagens, 80 mil ligações para o Copom [centro de atendimento de emergências da polícia]. A maioria das abordagens ocorrem tranquilamente, mas é sempre um momento tenso para as duas partes. A taxa de homicídio no estado é de 6 por 100 mil habitantes, a menor do país. Quem deixou de morrer? Pessoas da periferia, a maioria negros", argumentou chefe da PM na gestão de João Doria (PSDB).
Ao contrário dos homicídios, no entanto, as mortes causadas por policiais em São Paulo teve a quarta alta este ano e chegou a 442 casos. As ocorrências de letalidade policial já superaram os registros de homicídios dolosos da capital paulista em 2020.
Segundo Camilo, a polícia vai discutir o livro Pequeno Manual Antirracista, da filósofa e colunista da Folha Djamila Ribeiro em cursos de formação. Para ele, "é a atitude suspeita que leva à abordagem, não a caracterista física" e a agressividade em relação aos agentes varia da áreas nobres para as mais pobres. "A abordagem da polícia é a mesma sempre. Mas veja como o abordado reage nos Jardins ou na periferia", afirmou.
Para o ouvidor das polícias paulistas, Elizeu Soares, o racismo é estrutural e não um problema apenas da área de segurança. "O Estado brasileiro é racista. Acho errado isolar uma instituição quando o problema é de toda a sociedade. Quando chega na mão do policial é porque o Estado já falhou. Precisamos ressignificar a cidadania e criar uma cultura de paz, de confiança na polícia."
Mas modernizar as polícias não pode ser apenas uma mudança tecnológica, disse Marcelle Decothé, do Instituto Marielle Franco. "Mais armas, helicópteros e operações sofisticadas não diminuem o número de homicídios nem a violência policial. Precisamos que o Estado não entre na favela só com o braço de segurança pública, a polícia."
É o que mostra a pesquisa "Periferia, racismo e violência", do Datafavela, parceria da Cufa (Central Única das Favelas) com o Instituto Locomotiva, que ouviu 1.826 pessoas entre 29 e 30 de junho. Quase todos (91%) afirmaram ter conhecimento do caso de George Floyd, homem negro morto após ter o pescoço prensado contra o chão pelo joelho de um policial branco nos Estados Unidos. O caso gerou uma série de protestos contra o racismo, inclusive no Brasil.
O estudo também mostra que 4 em cada 10 brasileiros periféricos já foram vítimas de violência policial, seja desrespeito, agressão verbal, agressão física ou extorsão. Mas os homens negros de baixa renda continuam mais expostos às abordagens desse tipo do que os brancos de baixa renda.
Entre os negros (pardos + pretos), 56% afirmaram que já sentiram medo ao interagir com policiais em situações cotidianas. Se isolados só os pretos, esse número cresce para 67%.
Quem já passou por abuso policial passa a ter ainda mais medo das abordagens. A violência física é a que mais traumatiza: 69% passaram a ter medo de cruzar com barreiras policiais e delegaciais ou ver agentes perto de casa.
Assim como um número muito pequeno (5%) diz acreditar que a polícia não é racista, 52% veem a corporação como muito racista. Entre os negros, esse dado é ainda maior (60%).
Para a cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, os meninos negros das periferias aprendem cedo a temer abordagens injustificadas, revistas humilhantes, espancamentos e até a morte.
"Quando a polícia do Rio de Janeiro mata mais de 1.810 pessoas [em 2019] e, só durante a pandemia, em abril, mata 43% a mais em operações do que no mesmo período do ano passado, esses meninos percebem que a polícia é violenta e racista, orientada para identificá-los como criminosos", disse Ramos no debate online de apresentação da pesquisa nesta quarta-feira (8).
O rapper Rappin' Hood deu seu exemplo pessoal. "Sempre disseram que éramos marginais, maloqueiros, mas éramos apenas homens negros. Tenho um filho de 18 anos e medo de deixar meu garoto ir pra a rua. O medo que meus pais sentiam."
Para o coronel Alvaro Batista Camilo, secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo, o resultado do estudo tem influência do momento de comoção mundial com a morte de Floyd. Segundo Camilo, a PM paulista não compactua com atitudes racistas.
"Nós nos preocupamos muito com os direitos humanos, em tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Procuramos transmitir isso ao policial e temos procedimentos de gestão para rever as ações", afirmou Camilo, para quem os casos de violência por parte da corporação no estado são pontuais.
"São 112 mil policiais, 80 mil abordagens, 80 mil ligações para o Copom [centro de atendimento de emergências da polícia]. A maioria das abordagens ocorrem tranquilamente, mas é sempre um momento tenso para as duas partes. A taxa de homicídio no estado é de 6 por 100 mil habitantes, a menor do país. Quem deixou de morrer? Pessoas da periferia, a maioria negros", argumentou chefe da PM na gestão de João Doria (PSDB).
Ao contrário dos homicídios, no entanto, as mortes causadas por policiais em São Paulo teve a quarta alta este ano e chegou a 442 casos. As ocorrências de letalidade policial já superaram os registros de homicídios dolosos da capital paulista em 2020.
Segundo Camilo, a polícia vai discutir o livro Pequeno Manual Antirracista, da filósofa e colunista da Folha Djamila Ribeiro em cursos de formação. Para ele, "é a atitude suspeita que leva à abordagem, não a caracterista física" e a agressividade em relação aos agentes varia da áreas nobres para as mais pobres. "A abordagem da polícia é a mesma sempre. Mas veja como o abordado reage nos Jardins ou na periferia", afirmou.
Para o ouvidor das polícias paulistas, Elizeu Soares, o racismo é estrutural e não um problema apenas da área de segurança. "O Estado brasileiro é racista. Acho errado isolar uma instituição quando o problema é de toda a sociedade. Quando chega na mão do policial é porque o Estado já falhou. Precisamos ressignificar a cidadania e criar uma cultura de paz, de confiança na polícia."
Mas modernizar as polícias não pode ser apenas uma mudança tecnológica, disse Marcelle Decothé, do Instituto Marielle Franco. "Mais armas, helicópteros e operações sofisticadas não diminuem o número de homicídios nem a violência policial. Precisamos que o Estado não entre na favela só com o braço de segurança pública, a polícia."
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