por Matheus Teixeira e Marcelo Rocha | Folhapress
Visto no STF (Supremo Tribunal Federal) como instrumento para conter a ofensiva de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que atacam as instituições, o inquérito dos atos antidemocráticos encontrou indícios contra nomes influentes na militância bolsonarista, como o blogueiro Allan dos Santos e o empresário Otávio Fakhoury.
Movimentações financeiras atípicas, valorização suspeita de aluguel de imóveis e envio de dinheiro para o exterior entraram na mira dos investigadores nos últimos meses a partir da realização de buscas e quebras de sigilo bancário, fiscal e telemático.
Foram colhidas dezenas de depoimentos, incluindo de dois filhos do presidente, rastreados os passos de auxiliares diretos de Bolsonaro no Palácio do Planalto e de pessoas envolvidas com a organização dos protestos ocorridos em Brasília em 2020, alguns que contaram com a presença do chefe do Executivo.
Desentendimentos entre a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a Polícia Federal no andamento das apurações, porém, dificultaram que o caso tivesse o desfecho esperado por ministros do Supremo, com punição aos responsáveis por defender o fechamento do Congresso e da corte e a volta da ditadura.
De um lado, a PF diz que encontrou elementos ainda não conclusivos, mas deixou para o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, avaliar a continuidade da apuração.
A Procuradoria, por sua vez, fez duras críticas à corporação. Disse que os policiais não respeitaram o objeto inicial das investigações e que, por isso, não adianta mais prosseguir com o caso --o inquérito começou há cerca de um ano.
Por essa razão, a PGR pediu o arquivamento da apuração contra 11 parlamentares e o envio à primeira instância de outros seis casos sem o envolvimento de autoridades com prerrogativa de foro no Supremo à primeira instância da Justiça.
Aberto a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, o objetivo do inquérito era apurar quem organizou e financiou manifestações ocorridas em todo o Brasil em 19 de abril de 2020 com pautas antidemocráticas.
O protesto daquela data em Brasília contou com a presença de Bolsonaro, que fez um discurso inflamado em frente ao QG do Exército e despertou uma crise entre os Poderes.
Segundo o pedido de Aras, o protesto exigia apuração "sobre a ultrapassagem do excesso no direito de expressão, opinião e manifestação para as fronteiras criminais do grupamento que tenha objetivo a mudança do regime vigente".
O chefe da PGR afirmou que era preciso investigar os responsáveis pela organização, financiamento e divulgação das manifestações.
Os desentendimentos entre a Procuradoria e a PF começaram logo no início das investigações, segundo relatou a própria PGR em posicionamento enviado ao STF.
É comum que ambos os órgãos participem da mesma apuração. Geralmente, os dois têm linhas de investigação comuns para facilitar a verificação dos elementos.
À PF cabe apresentar um relatório final, que é usado pela PGR para apresentar uma manifestação definitiva sobre o caso, seja para arquivar a apuração, seja para denunciar os envolvidos ou prosseguir em busca de mais provas.
A primeira ação policial sobre o tema foi alvo de divergências. Os 21 mandados de busca e apreensão cumpridos contra parlamentares e apoiadores de Bolsonaro foram solicitados pela PGR em 27 de maio do ano passado.
A polícia, porém, afirmou que a realização de "diversas medidas propostas em etapa tão inicial" da investigação traria "risco desnecessário" à estabilidade das instituições. No dia 16 de junho, a operação acabou sendo realizada.
Em outra parte da manifestação, a PGR acusa a polícia de ter desviado "a apuração de seu eixo original". Além disso, diz que a "a ausência de análise ou de cumprimento de uma série de diligências" impactou na resolução dos fatos.
Responsável por atuar em matérias criminais no Supremo, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, exemplificou, entre outras, uma situação envolvendo o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Medeiros disse que o filho 03 do presidente, ouvido pela PF como testemunha, não foi questionado sobre fatos que aparentava ter ciência, numa referência às pessoas que teriam participado do foguetório lançado em direção ao prédio do STF em junho de 2020.
Mais de uma vez, a delegada Denisse Dias Ribeiro, encarregada do caso, afirmou ao Supremo que as "ações concomitantes" solicitadas pela Procuradoria resultariam em volume demasiado de dados, o que seria contraprodutivo.
A PF tentou avançar, por exemplo, sobre o envolvimento da Secom (Secretaria de Comunicação) na divulgação dos protestos. Então no comando da secretaria, Fabio Wajngarten foi alvo de um pedido de busca e apreensão em julho. A PGR se posicionou contra.
Segundo a apuração, afirmou a delegada, foi possível identificar "a existência de um grupo de pessoas que se influenciam mutuamente, tanto pessoalmente (em manifestações públicas, por exemplo), como por meio de redes sociais digitais (utilizando canais de comunicação como Facebook, Twitter, Instagram, WhatsApp, por exemplo)".
Disse que o objetivo do grupo era o "de auferir apoio político-partidárias por meio da difusão de ideologia dita conservadora, polarizada à direita do espectro político".
Em relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes em dezembro, a policial foi inconclusiva sobre a hipótese de que essa "convergência de ideias" teria estimulado, patrocinado e contribuído para os atos antidemocráticos.
"Em outras palavras, sob o aspecto criminal, importa se esse grupo identificado atuou para fazer propaganda de processos violentos ou ilegais com o objetivo de alteração da ordem política", afirmou.
Denisse disse que ser "plausível" afirmar que em algumas situações a articulação dos suspeitos transcendeu a "mera difusão de ideias".
"Observa-se que há justa causa para aprofundamento desses fatos, não necessariamente dentro do presente inquérito, situação que deverá ser avaliada pelo Exmo. Sr. Ministro Relator [Alexandre de Moraes]", disse a delegada.