Justiça Militar puniu 1 general e arquivou 20 apurações de altas patentes

por Vinicius Sassine | Folhapress

Justiça Militar puniu 1 general e arquivou 20 apurações de altas patentes
Imagem ilustrativa | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Um único oficial-general foi punido pelo STM (Superior Tribunal Militar) nos últimos dez anos, com uma condenação a dois meses de detenção, a menor pena prevista em lei para o crime apontado -lesão corporal culposa.
 

A sentença previu a possibilidade de suspensão da execução da pena e permitiu que o militar recorresse em liberdade. No mesmo período, pelo menos 20 processos envolvendo militares com as mais altas patentes, nas três Forças Armadas, tiveram como destino o arquivo, sem apontamento de culpa e punição.
 

A lista inclui o general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência, dois ex-auxiliares do governo Jair Bolsonaro e dois integrantes da cúpula do Exército.
 

A Folha identificou 13 IPMs (inquéritos policiais militares) contra generais, brigadeiros ou almirantes, conduzidos internamente por colegas de farda e que acabaram arquivados pela Justiça Militar antes de chegar ao tribunal superior.
 

Além disso, de 8 denúncias contra oficiais-generais apresentadas pelo MPM (Ministério Público Militar) nos últimos dez anos, 5 foram rejeitadas pelo STM, ou seja, acabaram arquivadas antes de serem convertidas em ações penais.
 

Das 3 denúncias recebidas e convertidas em ações, apenas 1 resultou em condenação.
 

O contra-almirante Jorge Nerie Vellame foi condenado por lesão corporal culposa em 2015. A pena foi declarada extinta em 2018. A reportagem não conseguiu contato com a defesa do militar.
 

A informação de que esse é o único caso de condenação de um oficial de alta patente em dez anos foi repassada à Folha pelo MPM, que forneceu os dados estatísticos sobre denúncias e ações penais.
 

O STM se recusou a fornecer essas informações, que envolvem processos sigilosos, em especial IPMs. Assim, a quantidade de processos arquivados é maior do que a verificada pela reportagem em consultas a bancos de dados abertos.
 

Em nota, STM e MPM negaram existir impunidade e corporativismo na análise dos processos.
 

O caso de condenação de um oficial-general --termo que se refere às mais altas patentes nas três Forças-- pode ter sido o único em um período ainda maior, de 30 anos. Há atualmente cerca de 320 oficiais-generais em 360 mil militares, o equivalente a 0,09% das Forças Armadas.
 

No sistema possível de ser consultado no STM, aparecem apenas 11 ações penais originadas no tribunal, que tem a atribuição de conduzir os processos com suspeitas de crimes militares praticados por oficiais-generais. Essas 11 ações foram abertas num período de 30 anos. Pelos dados abertos disponíveis, aparece apenas uma condenação, a do contra-almirante em 2015.
 

A falta de punição na caserna ficou em evidência com a absolvição do general da ativa Eduardo Pazuello, que subiu em um palanque político ao lado de Bolsonaro e fez um discurso exaltando o presidente em maio.
 

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, arquivou o procedimento aberto para investigar a transgressão disciplinar.
 

O caso de Pazuello foi resolvido todo internamente, por se tratar de uma infração disciplinar. Se o episódio diz respeito a um crime, previsto no Código Penal Militar, passa por investigação interna (por meio dos IPMs), por análise do MPM e por julgamento no STM.
 

O STM é uma corte formada por 15 ministros, dos quais 10 são militares com as patentes mais elevadas nas Forças, ainda na ativa. O atual presidente é o general do Exército Luis Carlos Mattos. Se um caso chega a plenário, o réu será julgado, em sua maioria, por colegas de farda.
 

O IPM que investigou o general Heleno em 2015 nem chegou ao plenário. Foi arquivado por decisão monocrática de um ministro civil do STM, José Barroso Filho.
 

Heleno era suspeito de participação na gestão de convênios irregulares, voltados à realização da 5ª edição dos Jogos Mundiais Militares. O militar responsável pelo IPM não identificou dolo ou provas de crime. O entendimento foi corroborado pelo comando do Exército e pelo MPM.
 

O atual ministro do GSI já havia se livrado de um segundo IPM, em 2005. "Em ambas as situações, o membro do MPM entendeu que não havia justa causa para a propositura da ação penal contra o general, sem que houvesse nenhuma interferência dessa autoridade", disse o GSI, em nota.
 

Ex-secretário nacional de Transportes Terrestres no governo Bolsonaro, o general Jamil Megid Júnior foi investigado num IPM em 2016 após uma reportagem apontar indícios de superfaturamento em licitação para locação de imóveis destinados ao mesmo evento.
 

O IPM não viu culpa do general. Nem o MPM, que afirmou que a suspeita recaía sobre um militar subalterno. O caso envolvendo o general foi arquivado pela ministra Maria Elizabeth Rocha. Procurado, Megid não quis comentar.
 

O general Marco Aurélio Costa Vieira, ex-secretário especial do Esporte no governo Bolsonaro, foi investigado num IPM aberto em 2013 por abuso de autoridade. O caso prescreveu e acabou arquivado pelo STM. A reportagem não localizou o general para comentar a acusação.
 

Pelo menos mais um caso, envolvendo um general de Brigada e um almirante, foi para o arquivo em razão de prescrição. A denúncia do MPM acabou rejeitada pelo STM.
 

Outros dois generais que responderam a IPMs arquivados após a investigação interna e o MPM não enxergarem culpa são Richard Fernandez Nunes e Tomás Miguel Miné Paiva. O primeiro é chefe do Centro de Comunicação Social do Exército. O segundo, comandante militar do Sudeste.
 

Nunes era suspeito de inércia na apuração de ato de violência envolvendo militares com patentes diferentes. Paiva foi citado em IPM que investigou prorrogação indevida de pensão militar de filha de um ex-combatente.
 

O Ministério Público Militar não viu indícios de crime por parte de Nunes. E Paiva não foi omisso ou determinante no caso da pensão, segundo o mesmo órgão. Os IPMs foram arquivados por meio de decisões monocráticas do STM em 2016.
 

O centro de comunicação do Exército não respondeu aos questionamentos da reportagem.
 

Em nota, o STM disse que não existe corporativismo ou impunidade na corte, independentemente de posto ou gradação de quem venha a ser denunciado. "Na maior parte dos casos comentados, a absolvição contou com o voto de magistrados civis. Em outros, a absolvição se deu por unanimidade do pleno."
 

Por força do regimento, a relatoria de ações penais envolvendo oficiais generais cabe a ministros civis, segundo o STM.
 

O MPM, também em nota, disse que não faz "avaliação subjetiva" dos casos. "Em cada feito, houve manifestação técnica, na forma de promoções fundamentadas e sustentadas nas provas dos autos."
 

Quando há arquivamentos, trata-se de um "imperativo do Estado democrático de Direito, em que a tutela das liberdades deve ser sempre exaltada", cita a nota. Caso contrário, procuradores podem ser responsabilizados pela Lei de Abuso de Autoridade, conforme o MPM.
 

"O MPM exerce seu papel constitucional de controlador externo da atividade policial e requisita diligências complementares."

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