Acusados de atos de vandalismo de 8 de janeiro pagarão por prejuízos

 Um mês depois dos atos terroristas que destruíram o patrimônio do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, os responsáveis pelos crimes continuam sendo denunciados, investigados e processados.  Atualmente, 920 pessoas permanecem detidas, divididas entre o Centro de Detenção Provisória (CDP) II, da Papuda; e a Penitenciária Feminina — mais conhecida como Colmeia —, enquanto outros 19 acusados foram transferidos para o 19º Batalhão de Polícia Militar e 459 seguem monitorados por tornozeleiras eletrônicas. As investigações prosseguem.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), somente entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro, 152 pessoas foram denunciadas por participação nos atos, totalizando 653 denúncias apresentadas. Os números do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) são ainda maiores: foram mais de 107 mil e-mails com denúncias recebidas, vindos de 27.457 cidadãos brasileiros.

Jurista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Angelo Prata de Carvalho afirma que os responsáveis pelos atos terroristas podem responder por uma série de crimes previstos pelo Código Penal e pela legislação especial, tendo em vista a ampla variedade de condutas criminosas. "No próprio inquérito que tramita no STF, foram identificadas evidências de crimes previstos pela Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016), de associação criminosa (art. 288 do Código Penal), de abolição violenta do estado democrático de direito (art. 359-L do Código Penal) e de golpe de estado (art. 359-M do Código Penal), além dos delitos de dano (ao patrimônio público) e furto", detalha.

O especialista diz ainda que os prejuízos causados ao patrimônio público devem ser "integralmente" indenizados por quem os praticou. "Isso inclui não somente os autores diretos dos danos, mas também aqueles que venham a ser identificados como financiadores desses atos", acrescenta. Ainda de acordo com o jurista da UnB, a alegação da ausência de condições financeiras, por parte dos acusados, não pode ser utilizada como argumento para escaparem de sua responsabilidade. "Assim, os perpetradores dos danos estarão sujeitos, após condenados, a atos de constrição patrimonial como a penhora de bens, direitos e salários, até que seja saldada a dívida", destaca Angelo Prata.

No Palácio do Planalto o maior prejuízo foi na tela As mulatas, pintada por Di Cavalcanti em 1962, que foi rasgada a facadas. O quadro é avaliado em, no mínimo, R$ 8 milhões. No STF, o Brasão da República e a cadeira da presidência do Supremo foram arrancados dos lugares, obras de arte e uma coleção valiosa de vasos chineses foram quebrados e um exemplar raro da edição original da Constituição, roubado. Na Câmara dos Deputados, os invasores destruíram o vitral Araguaia, de 1977, e escultura de bronze A bailarina, de 1920, feita por Victor Brecheret, foi danificada.

Quadros da galeria dos ex-presidentes do Legislativo, pintados pelo artista plástico Urbano Villela, foram danificados, no Senado, além de um painel feito por Athos Bulcão. O laboratório de conservação e restauração do Museu da Casa afirmou que mesmo que sejam restauradas, as obras depredadas nunca mais serão as mesmas.

Na cadeia

Um mês depois dos atos golpistas, grande parte dos manifestantes foi detida no acampamento em frente ao Quartel General do Exército e segue presa em unidades do sistema prisional do Distrito Federal. De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seape-DF), 1.398 pessoas deram entrada no sistema prisional do DF por conta dos atos de vandalismo.

Das autoridades que estavam no comando no dia dos ataques às sedes dos Três Poderes, somente o ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres continua preso, no 4º Batalhão da Polícia Militar (PMDF), no Guará. A defesa do delegado entrou com um pedido no STF, ontem, para que a prisão preventiva seja revogada pelo ministro Alexandre de Moraes. Os advogados alegaram que não há razão para que Torres seja mantido em detenção, e que ele estaria disposto a entregar seu passaporte e colocar à disposição da Justiça seus sigilos bancário, fiscal e telefônico. À reportagem, o Supremo informou que não há prazo para resposta.

O coronel Fábio Augusto, ex-comandante da PMDF, foi solto provisoriamente na última sexta-feira pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele estava preso desde 11 de janeiro, após ser apontado como provável responsável, por ação direta ou omissão, diante da falha de segurança ocorrida em 8 de janeiro.

O ministro do STF justificou a decisão da soltura por entender, "a partir das investigações preliminares realizadas pelo interventor da área de segurança pública do DF", Ricardo Capelli, que o cenário que "justificou a prisão preventiva do investigado não mais subsiste no atual momento". "O relatório indica que Fábio Augusto Vieira, embora exercesse, à época, o cargo de Comandante-Geral da Polícia Militar do Distrito Federal, não teria sido diretamente responsável pela falha das ações de segurança que resultaram nos atos criminosos ora investigados", escreveu o ministro na decisão. O governador Ibaneis Rocha foi afastado do cargo por 90 dias, desde 9 de janeiro. 

Missão cumprida

Ao Correio, o ex-interventor federal disse que o papel que foi designado a ele e sua equipe foi cumprido. De acordo com Cappelli, o objetivo principal foi garantir a estabilidade e a operacionalidade das forças de segurança no Distrito Federal. "Além da ausência de comando, os atos de depredação dos prédios que representam os Três Poderes da República foram consequência de um inexistente planejamento operacional", lembrou.

"Durante o período de intervenção, realizamos apuração sobre os processos que foram seguidos e, ao fim, entregamos relatório que aponta as falhas operacionais e uma espécie de cronologia dos fatos amparados por imagens e documentação", complementou o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, destacando que a segurança pública do DF voltou para "a estabilidade e está com o devido comando restabelecido".

A governadora em exercício, Celina Leão (PP), avaliou que as consequências dos atos para o GDF foram muito fortes. "Tivemos que mostrar força e capacidade de dialogar para restabelecermos a nossa segurança pública. O que tiramos de bom disso tudo foi o retorno do diálogo institucional", destacou à reportagem. De acordo com Celina, a intervenção foi necessária para apurar todos os fatos com isenção do governo local. Além disso, deixou claro que muitas ações serão tomadas na área de segurança, a partir de agora. "Desde novas nomeações, discussões salariais, modernização e tantos outros temas importantes, sem esquecer de cumprir o papel institucional de segurança dos poderes da República", completou.

Cientista político e professor de direito constitucional do Ceub, Alessandro Costa disse acreditar que a intervenção federal na segurança pública surtiu o efeito esperado. "A partir do momento em que o presidente (Lula) percebeu que a intervenção trouxe maior confiança, se pôde determinar várias linhas e frentes de investigação. Os acampamentos foram desfeitos e muitos dos que participaram das manifestações foram presos. Isso deu uma segurança à população de que aquilo não se repetiria", destacou.

Sobre o que o governo do DF deve fazer para o setor a partir de agora, o especialista elogiou a postura tomada, até o momento, pela governadora em exercício. "Celina se mostrou, em diversas oportunidades, à disposição do interventor. Penso que a atual governadora, o tempo todo, tentou demonstrar que a situação de eventual desconfiança ou até mesmo sabotagem, está longe de ser verdade", analisou. "Vamos esperar, caso Ibaneis Rocha retorne ao cargo, se sua postura será a mesma, mostrando uma parceria entre os governos local e federal", acrescentou.

A história manchada

8 de janeiro

À tarde, por volta das 14h, um grupo de cerca de 4 mil bolsonaristas que estava concentrado na frente do Quartel-General do Exército se deslocou para a Esplanada dos Ministérios, escoltados pela Polícia Militar, em um trajeto de 8km;

Às 15h, na Praça dos Três Poderes, centenas de pessoas subiram as rampas que dão acesso ao Congresso Nacional e ao Palácio do Planalto. Pouco depois, às 15h45, parte do grupo se dirigiu até o prédio do STF;

Um grupo de bolsonaristas subiu na laje do Congresso, enquanto um outro ingressou no Salão Verde e no plenário do Senado Federal. As imagens também mostram manifestantes dentro dos salões e dos gabinetes do Palácio do Planalto e do plenário do STF, destruindo vidraças, móveis, equipamentos e obras de arte;

Por volta das 17h, seguranças conseguiram retomar o prédio do STF e expulsar os invasores. Conforme mais policiais chegavam ao local, os demais prédios também foram sendo esvaziados aos poucos.

9 de janeiro

Na manhã do dia seguinte, policiais militares do Distrito Federal se concentraram em frente ao acampamento bolsonarista, no Quartel-General do Exército, para iniciar a desocupação do espaço. As equipes da força de segurança começaram a se organizar após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que previa a retirada de manifestantes do local em até 24 horas;

No início da tarde, por volta das 13h, o então interventor federal, Ricardo Cappelli, confirmou por meio de uma rede social, que o acampamento foi totalmente desativado. Detidos, os bolsonaristas foram encaminhados, naquele dia, para instalações da Polícia Federal. Hoje, 920 manifestantes continuam presos.


FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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