Moraes diz ter ouvido relato de Do Val e chama plano golpista de "ridículo"

 Lisboa — A apreensão de tablets, celulares e computadores do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) é hoje o caminho para levar o Poder Judiciário a um pedido de extradição do ex-presidente Jair Bolsonaro. Essa hipótese já é comentada por ministros da Supremo Tribunal Federal (STF) e ficou mais forte depois da prisão de Silveira, na quinta-feira. O ex-parlamentar é acusado de tramar um golpe para prender o ministro Alexandre de Moraes — responsável pelos inquéritos que investigam os atos antidemocráticos — e impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo o senador Marcos do Val (Podemos-ES), Silveira, com o aval do então presidente Jair Bolsonaro, pediu, inclusive, que o próprio político providenciasse um grampo de uma conversa com Moraes, a fim de obter dele alguma frase comprometedora. "Certamente, isso (a apreensão de telefones) será uma revelação de dados, de contatos", disse o ministro Gilmar Mendes.

O caso Do Val virou destaque no primeiro dia do Lide Brazil Conference, quando quatro ministros da Corte comentaram o tema. Moraes, pela primeira vez, falou mais detalhadamente da conversa que teve com o senador, no Salão Branco do STF. "Ele me disse que Daniel Silveira o havia procurado para dizer que, numa reunião com Bolsonaro, a ideia 'genial' era colocar uma escuta no senador para que ele pudesse me gravar e, assim, tentar solicitar minha retirada dos inquéritos", relatou. "Perguntei se poderia confirmar tudo em depoimento. Ele disse que era uma questão de inteligência e não estava disposto a confirmar. A conversa acabou ali."

O magistrado se referiu ao episódio como "tentativa de uma operação Tabajara, que mostra, exatamente, o quão ridículo nós chegamos na tentativa de um golpe no Brasil", comandada por aloprados. Garantiu que as investigações prosseguirão para punir todos os envolvidos na tentativa de destruir a democracia.

Desde os atos de 8 de janeiro, 950 pessoas permanecem presas como executores, 560 foram soltas com medidas cautelares, e estão adiantadas as investigações sobre os grandes financiadores e instigadores. "Uma parte da elite flertou com o golpe por quatro anos. E também autoridades públicas, que, de forma covarde, ou se omitiram ou foram coniventes com a tentativa de golpe", assinalou Moraes.

Zumbis

Gilmar Mendes foi incisivo ao mencionar a necessidade de punição dos mandantes: "Havia um grupo no topo, que exercia posição de poder, diante de zumbis consumidores de desinformação, um grave problema para a democracia atual. Esperamos que as investigações em curso entre nós identifiquem quem ocupava o topo dessa pirâmide e evidenciem que espécie de lucros auferiam, sejam ganhos políticos, sejam econômicos", destacou. "Essa tarefa é premente para readquirimos uma boa qualidade democrática e para que nunca mais voltemos a ser um pária internacional, objetivo vocalizado por um certo expoente, de uma certa doutrina", acrescentou, sem citar o nome do ex-chanceler Ernesto Araújo, que havia mencionado não ver problema em ser pária. "A percepção é de que éramos governados por gente do porão, da milícia do Rio de Janeiro", lamentou.

Além das punições, os ministros consideram necessário preparar o país para que casos de tentativa de golpe não se repitam. Nesse sentido, Moraes pregou uma nova legislação internacional que proteja a democracia e as instituições. "Da mesma forma que há uma lei contra o tráfico de drogas, de pessoas, há a necessidade de uma lei contra o tráfico de ideias contra a democracia", frisou, ao fazer um histórico do período que levou aos atos de 8 de janeiro.

"A corrosão das instituições por dentro começou com estudos coordenados da extrema direita norte-americana ao analisar o papel das redes sociais nas primaveras árabes", disse. "A partir disso, o que nasceu como um instrumento altamente democrático, para permitir a participação de todos e livre opinião, foi capturado pelos populistas e transformado num mecanismo de lavagem cerebral, transformou pessoas em zumbis que cantam o Hino Nacional para pneus", complementou.

Perigos

Por sua vez, Gilmar Mendes foi buscar na história do país o termo que usou para se referir àqueles que acamparam na porta dos quartéis pedindo a ditadura: "Instituições foram alvo predileto de vivandeiras alvoroçadas, adestradas na cartilha de um fanatismo político ignóbil que possuía a crítica ao antiglobalismo como elemento característico".

Os ministros consideram que o país está num ponto em que precisa afastar de uma vez os perigos à democracia. "Estamos num impasse, gastando muito mais energia para defender algo que todos diziam consolidado. Essa energia, que deveria ser usada no desenvolvimento social do país, acaba sendo utilizada para conter arroubos ditatoriais de políticos populistas do Poder Executivo", criticou Moraes.

Ele foi incisivo ao dizer que qualquer nova legislação em defesa da democracia terá de tratar das redes sociais. "Não é possível que plataformas sejam imunes à responsabilização", comentou, referindo-se à sequência de "ataques maciços" do populismo extremista que elas terminam abrigando. O ministro considera que o país e o mundo não têm mecanismos para tratar de situações emergenciais em que a democracia é corroída por dentro.

Os quatro magistrados ressaltaram, ainda, o papel da urna eletrônica como um meio eficaz de coibir ataques à democracia. "Tentaram a volta do voto impresso. Imagine o que teria sido em termos de desinformação", comentou Luís Roberto Barroso.

Preocupado com o avanço do grupo de extremistas no mundo, o ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que há esperança: "O Brasil sobreviveu ao 8 de janeiro. Sinal de que nossa democracia é resiliente. Há no mundo todo um esforço para revigorar e fortalecer os organismos internacionais. Temos que trabalhar nessa direção".


FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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